mãos na cabeça!

Há muitos anos gosto de lightdrawing, a técnica de desenhar com luz sobre fotografias. Uma coisa que a maior parte da população ainda reage incredulamente, perguntando milhares de vezes como é que isso é possível, ou simplesmente achando que é obra de Photoshop.
Mas não é e, infelizmente, tem que ser feito de noite, claro. O período mais perigoso e, de preferência, em lugares com pouca luz, no meio do nada. Na Europa, tudo bem, ninguém enche o saco, não tem estresse com assaltante nem nada. Já aqui no Brasil a coisa é diferente.
Nas duas vezes que saí aqui em Estrela, cidade pacata do interior, com um amigo pra fazer essas tais fotos, deu até polícia.
A primeira vez, no centro da cidade, foi em noite fria desse inverno. Não chegaram a nos revistar, mas ficaram mega desconfiados, fazendo mil perguntas. Até mesmo onde é que eu morava... Foram embora sem estar convencidos de que só fazíamos fotos.
Agora a segunda vez foi mais tensa. Fomos fotografar em um campo de canola bem próximo à cidade, tanto é que estacionamos o carro em uma rua. Pouco habitada, poucas casas, mas tem até poste de luz. Saindo do carro, a cachorrada latindo, sai um sujeito de uma casa e fica olhando. Bem, que que eu posso fazer. "Boa noite", digo eu. E não obtenho resposta.
Depois de algumas fotos no tal campo, uma luz na nossa cara, e a sentença: "Mãos ao alto!" Puta merda, a primeira coisa que passou pela minha cabeça é que seríamos assaltados. Mas eu, que estava com o tripé e a câmera na mão, não podia colocar todo aparato junto na minha cabeça. O cara ainda ia pensar que era uma arma. Deitei o tripé no chão e o policial continuou berrando, "tu aí na esquerda, não te mexe mais!" e ele até engatilhou a espingarda. Ih, fudeu.
Depois de todas as burocracias de uma abordagem policial, revira dali, explica de lá (vai explicar lightdrawing pra ele, vai...), o policial (que nos chamava de "elemento"; vou começar a chamar o elemento policial de elemento policial agora) ainda queria saber da minha lanterna de led. Quase que falo do DealExtreme pra ele. "É lanterna de LED." Ainda soletrei, "éle, ê, dê".
Aí que eles disseram que, quando fôssemos sair pra fotografar de noite, que ligássemos pra delegacia e que avisássemos em que lugar estaríamos. Tá bom.
Desse jeito vou é ficar em casa mesmo. Obrigado à população local, que está sempre de prontidão pra chamar a polícia quando um carro estranho estaciona na frente de casa. Que falasse com a gente ao invés de mandar a polícia. Agora eu tenho medo de fazer uma das poucas coisas que gostava de fazer aqui no vale, e vou restringir a fotografia noturna para meu jardim.

Essa aqui abaixo é uma das poucas dessa memorável noite:

alexander huber

A revista alemã Der Spiegel entrevistou o escalador Alexander Huber (41 anos de idade), resultando em uma bela reportagem. Ele é praticante de free solo, um estilo de escalada onde não se usa corda ou qualquer outra proteção. Traduzi alguns trechos interessantes e coloco a tradução aqui: (extraído de Der Spiegel)

Spiegel: Há fotos de ti a centenas de metros de altura em meio a uma falésia gigante, íngreme e lisa. Não há segurança, nem corda, que pudessem evitar uma queda. O que passa na tua cabeça?
Huber: De preferência nada. Todos pensamentos, todos medos, as preocupações são para os dias anteriores à escalada. Quando eu escalo, reduzo meu mundo aos poucos centímetros quadrados da próxima agarra.

Spiegel: Como se supera o medo?
Huber: Aí que entra a experiência. Eu só comecei com free solos aos 30 anos de idade. Com a idade, a força mental e a técnica ficam mais fortes. Eu comecei com paredes de 6 metros de altura sem corda, e então fui subindo de nível e em paredes maiores. Hoje eu sei, quais movimentos na parede são perigosos e quais não são. A preparação é meticulosa. Cada parede que quero escalar em free solo, eu conheço previamente como se eu estivesse entrevistando um futuro colega de apartamento: escalo com um parceiro e com corda, até que eu esteja convencido de que tenho controle total. Isso treina minha capacidade de auto-conhecer meu nível. Ao fim do processo, sei quão difícil é a tarefa e o quanto eu cresci com ela.

Spiegel: Tu és viciado.
Huber: Um pouco.

Spiegel: Quanto tempo ainda poderás escalar em free solo?
Huber: Depende da força mental, e essa não decai tão rápido como a força física. Eu tenho o sonho de trazer escalada em free solo para lugares em que ninguém ainda tentou isso. Isso deve ser nas grandes paredes das grandes montanhas desse mundo.

Spiegel: No outono, vais ser pai. Consideras parar com a escalada de alto risco em free solo depois do nascimento do filho?
Huber: Como assim? Eu amo a vida. Essa motivação para mim é muito grande. Eu não preciso pensar que, devido ao meu filho, quero continuar vivendo, pois isso eu quero de qualquer maneira.

 
Crédito das fotos: Huberbuam.de

dia do cão

Dia 9: de Punta Ballena a Piriápolis, 52km
O dia começou muito bem. Em Punta Ballena, no camping, tomamos café e brincamos com os cachorros bem comportados, que não entravam na cabana, por mais que chamássemos. Ficavam ali fora fazendo cara de "vem brincar comigo".

Fomos primeiro conhecer a Casapueblo. Lugar muito bonito, e bastane upscale mesmo... só mansão. Deve ser uns metros quadrados bem caros do país, com empreendimentos luxuosos saindo por todo lado. Nós constrastávamos bastante com os brasileiros que chegavam ali de Audi, Mercedes ou de taxi desde Punta del Este.
Casa Pueblo: arquitetura controversa... nem um pouco do meu gosto.

Paramos num posto pra tomar um café melhorzinho e seguimos estrada, pela Ruta Interbalnearia: entre Punta del Este e Montevideo, a estrada é mais habitada, não íamos ficar tão isolados pelo resto da viagem.

Até que, perto da entrada de Piriápolis, começa a chover. Colocamos os sacos em toda bagagem pra não molhar nada e seguimos, entrando em Piriápolis, onde já planejávamos dormir, porque seguir viagem com chuva gelada é chato... Nos informamos sobre campings e restaurantes no office de turismo e ficamos mais de meia hora, na chuva, procurando um restaurante com uma comida legal a um preço bom. Mal recebidos em alguns restaurantes (que rapidinho perdiam clientes), acabamos comendo bem: um pollo gigantesco, reforçando a proteína escassa da dieta dos últimos dias.

Aí começa a novela do camping...  Chovendo forte, ninguém queria montar a barraca e molhar tudo. Depois de muito hablar, hablar e hablar, ficou claro que podíamos ocupar o telhado da churrasqueira. Um grande achado pra se manter seco. Saímos na chuva, de novo, na noite, pra tomar um bom café.
O super camping na chuva:
E assim se dormiu, a chuva diminuindo, e a promessa de talvez abrir o tempo no dia seguinte...